O lobby e as instituições públicas passam por importantes transformações no Brasil que vão além dos debates sobre a regulamentação da atividade dos profissionais que lidam com governos ou atuam próximos às formulações de políticas públicas. São mudanças que têm ocorrido em diferentes níveis e contextos – dos mais amplos e sofisticados ao mais micros e rudimentares – na direção de mais transparência, como regras de compliance ou novos guias de conformidade, com efeitos nas políticas públicas, nos planos de negócios das empresas e nas formas de influenciar ou apoiar pleitos, campanhas ou causas. Tratam-se de novas formas de conexões e interfaces diretas e indiretas – tanto analógicas quanto digitais – entre todos os agentes que, de algum modo, defendem interesses próprios ou de terceiros, influenciam ou decidem no Brasil contemporâneo. Mesmo em meio à complexidade do sistema político nacional, do vigente clima de polarização política e ideológica e das constantes necessidades de atualizações das regras dos jogos de influência, ainda são visíveis as buscas por esses aprimoramentos institucionais e por mais segurança jurídica, nos três níveis de governo (Federal, Estadual e Municipal) e nos respectivos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). A adolescente Lei Complementar da Ficha Limpa (135/2010), por exemplo, de iniciativa popular, que deu nova roupagem a outra mais antiga Lei Complementar, a da Inegibilidade (64/1990), nasceu com o objetivo cristalino de proteger a honestidade e moralidade administrativa no exercício de mandato a partir da observância dos históricos de candidatos a cargos públicos no Brasil.
Até hoje, tais marcos legais influenciam o processo eleitoral brasileiro, inclusive os regionais. Mesmo com os aquecidos debates em Brasília, mais precisamente no Senado e na Câmara Federal, sobre ajustes ou novas formas de interpretações dessas importantes leis, esses marcos legais seguem persuadindo cada etapa do processo democrático brasileiro, inclusive nas eleições municipais, com dinâmicas próprias e muito peculiares. Na continental república federativa presidencialista brasileira ocorrem a cada quatro anos esse tipo de eleição: mais locais e focadas nas realidades das cidades, com pleitos previstos para os próximos dias 6 de outubro (1º turno) e 27 de outubro (2º turno), com exceção do Distrito Federal e de Fernando de Noronha. Para o melhor andamento desse processo, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido pela ministra Cármen Lúcia, definiu 12 inovadoras resoluções para esses pleitos e debates locais, com base em sugestões de partidos políticos, Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), universidades, entidades da sociedade civil e cidadãos. São claras direções tanto para candidatos e legendas partidárias quanto a eleitores e eleitoras que vão desde boas práticas no uso da Inteligência Artificial (IA) e no combate à desinformação (Fake News) até compromissos e metas para mais equidade de gênero e diversidade nos pleitos democráticos. Governado pelo empresário Romeu Zema (NOVO-MG), o estado de Minas Gerais também é modelo sobre esse alcance das transformações institucionais com desdobramentos políticos locais. Minas alcançou os primeiros lugares na lista das Assembleias Legislativas mais transparentes do Brasil, atrás apenas das do Distrito Federal e do Espírito Santo, segundo o Índice de Transparência e Governança Pública da Transparência Internacional.
Dona de um Produto Interno Bruto (PIB) superior a R$ 1 trilhão – só menor que os dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro – Minas Gerais é também o estado com maior número de municípios do país (853 cidades) e habitat de mais de 16 milhões de eleitores que podem desempatar ou decidir um pleito político nacional. Esse estado com dimensões superiores ao território da Espanha tem neste ano mais de 72,9 mil candidatos – 15% dos 460 mil postulantes de todo o Brasil que disputam vagas nas prefeituras ou câmaras municipais. Historicamente conhecida como a mais endinheirada do Brasil Colônia (1530-1815) por suas fartas riquezas minerais, como ouro e diamante, o estado de Minas registrou neste ano 2,3 mil candidatos às prefeituras mineiras, outros 2,3 mil disputando vice-prefeituras e mais 68,3 mil pretendentes a espaços nas câmaras de vereadores de cidades como Setubinha, um dos municípios mineiros mais empobrecidos do país. Com pouco menos de 10 mil habitantes e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) na faixa de 0,5 – próximo ao de países africanos com baixo desempenho em políticas públicas – essa cidadezinha é a morada de uma típica cidadã da zona rural brasileira: a tímida Maria José Mendes, jovem negra de 21 anos, que ficou famosa nas redes sociais após cantar e dançar o proprio “jingle” ao som de forró com sua família e amigos, no quintal da simples casa. Apelidada de “Menina da Bota” pelos usuários dos logarítmos virtuais, essa mineira, com sérios problemas nutricionais e dentários, conseguiu, apesar da distância que a separa dos grandes centros de poder e institucionais do país, ver realizadas, após a fama, necessidades básicas de saúde: um completo tratamento dentário e a respectiva melhora progressiva nutricional e de renda dela e da família. Com mais de 1 milhão de seguidores, número muito superior à quantidade necessária para se eleger vereadores e prefeitos em várias cidades do Brasil, Maria José passou a influenciar não só os ritmos dos jingles de alguns candidados a vereadores que disputam as eleições locais neste ano, mas também o comércio de botas, jóias e de outros produtos aonde a Menina da Bota é conhecida e falada. As influências e os lobbies seguem por todos os lados, em suas mais variadas formas, com diferentes abordagens e contextos e inúmeras estratégias de comunicação e marketing. Todos, porém, no fim das contas, visam a defender ou apoiar alguma bandeira ou causa, sejam elas quais forem. Que esse complexo tablado dos jogos políticos e econômicos do Brasil siga se atualizando, de modo cada vez mais transparente e democrático, para um futuro melhor e mais próspero a todos os integrantes da Sociedade Brasil, inclusive as Marias e Josés, ricos, pobres e remediados, com ou sem botas.
Gustavo Bernard – Mestrando em Economia (IDP), especialista em Relações Internacionais (Unb) e bacharel em Comunicação (UCB). Teve passagens pelos setores públicos brasileiro (Executivo, Legislativo e Judiciário) e privado (Grupo RBS, Edelman, Reuters, Gazeta Mercantil, EBC, Dominium consultoria). É Diretor Regional do Irelgov em Minas Gerais e gestor líder da Bernard Mentoring & Consulting.